Mara,
Te conhecer foi assustador! Como uma pessoa sozinha podia monopolizar tudo e todos? Se esparramar tanto, tomar conta da sala de espera com sacolas, deixar maquiagem por todos os lados, ficar horas ao telefone, ser o centro do Universo e achar tudo isso absolutamente natural!!! E ainda, vestida da maneira mais extravagante possível, usando ao mesmo tempo, boina, óculos de sol, echarpe, blusa estampada, calça de couro e bota de montaria, milhões de pulseiras, anéis enormes, colares gigantescos e, sempre, uma bolsa de dimensões faraônicas! Sem contar que, mesmo sua sala sendo no sótão, era a mais maravilhosa do mundo! Na minha cabecinha confusa só brotavam perguntas... de onde surgiu esse gnomo extraterrestre??????
Passado o susto e munida de toda a pouca coragem que sempre tive, descobri o ser fantástico que você era, amiga querida, confidente para meus maiores pecados e exorcista dos meus piores fantasmas.
Nossa história só poderia ter começado ao contrário de muitas... fizemos o caminho inverso, do real para o virtual... lembra? Nos aproximamos mais porque você queria saber como funcionava a internet e horas depois, você me ligou dizendo que tinha comprado um computador liiiiiindo, preto, que foi batizado de Yoda, mas que você não fazia idéia de como ligar...e lá se foram horas ao telefone, acho que inventamos o suporte telefônico! Juro como pensei que não ia dar certo, mas como sempre, você me surpreendeu e algum tempo depois, estávamos envolvidas com o AW, eu com minha infindável construção do monumento às quatro estações e você com um jardim de por os da Babilônia no chinelo! Horas e horas de conexão discada... que absurdo!
Vou guardar para sempre nossas infindáveis conversas regadas a muito sushi e sashimi no Koi, onde todos achavam que tínhamos um caso, pois te ouvir era apaixonante, eu ficava maravilhada com suas histórias, como aquela do seu cruzeiro pelo Nilo a bordo de um navio de tripulação hostil, sua inteligência, seus argumentos, seus planos pro futuro, ou seria melhor dizer, a ausência completa deles, pois você era absolutamente imprevisível!
Ficar ao seu lado era a certeza de confusão... como esquecer quando fomos para o spa em Jundiaí? Quem mandou eu chegar por último, né? Claro que você tinha levado 5 malas de roupas e tomou conta de todo o espaço do quarto! Aliás, aquela temporada no spa foi uma comédia, fugíamos para a “cidade” para fazer um lanchinho no meio da tarde e fizemos um motim por causa da dieta (des)balanceada – acho que nunca comi tanto melão na minha vida! A coitada da administradora deve ter desistido de tudo depois que fomos embora... dizem as más línguas, que ela está internada até hoje num retiro espiritual em clausura...
Um capítulo à parte, sua ida para Inglaterra! Quem mais no planeta conheceria um britânico com cara de duende pela internet, se apaixonaria, largaria tudo – família, carreira, amigos, dívidas... só pra citar alguns itens – para se mudar pra Newbury! Tudo caótico, como sempre! Lembra quando você foi pra Inglaterra para conhecer o Mark? Eu tive a infeliz idéia de me dispor a levá-la ao aeroporto. Cheguei na sua casa e você tentava em vão arrumar a mala em meio a crises existenciais e medos... “e se ele for um serial killer?”. Saída de feriado em São Paulo, trânsito parado, centenas de quilômetros de congestionamentos... e você enrolando para sair de casa... não sei como chegamos a tempo... ou melhor, sei... cometi todas as infrações do mundo, dirigi na contra-mão, cortei caminho por meio de obras na Dutra, quase deixei a lateral do carro nas finas que tirei das filas intermináveis de caminhões... e você chorando... “não vou chegar a tempo”... e o check-in? Meu! Já tinha encerrado! Você atrasou a saída do vôo para embarcar as malas com excesso de peso! É certo que te sacanearam...rs... suas malas só chegaram uma semana depois e seu encontro memorável com o Mark foi uma ida às compras no aeroporto de Heathrow, para garantir umas lista infindável de itens básicos de sobrevivência nos primeiros dias sem nem uma troca de roupa!
Depois de um mês, você volta e diz que em breve o Mark viria para o Brasil e que iriam se casar... mais um período de confusões, documentações emperradas, crises do Ro... até o Sobel deu palpite...
Nesse meio tempo, a sua festa de aniversário, a última no Brasil... mais zilhões de preparativos para uma nada tradicional feijoada na sua casa! Foi quando conheci seus outros amigos e olha só, todos tão apaixonados como eu! Como toda paixão, um misto de ódio profundo e amor eterno... tudo em você era intenso e contraditório! Claro que não faltaram confusões... tive até que sair no meio da festa para rodar a cidade com o comércio fechado de domingo para comprar nem me lembro o que! O Diego foi comigo, pois o Ro estava emburrado... ri muito com as histórias dele... um descendente de ciganos da Romênia... coitado! Eu quase o matei do coração, com uma manobra hollywoodiana com o carro, passando com as quatro rodas nas bordas de um buraco imenso que se abriu por conta de uma adutora... até hoje não entendi como não caí! O carro deve ter levitado...
E então o Mark veio... Zeus! Onde você foi encontrar alguém tão... tão... tão... quadrado! E longe de isso ser uma crítica! Ele é apenas britânico, o que esperar? Mas aprendi a tomar chá com leite... me lembro dele, tentando me convencer de que não era ruim e que eu devia ao menos provar e, pra dizer a verdade, é bom demais e eu nunca acertei fazer igual!
E daí os preparativos para o seu casamento informal no Brasil! Uma cerimônia cigana, organizada pelo Diego... dias antes, eu e você fomos ao CEAGESP comprar flores e tochas... o meu pequeno corsa parecia um oásis...e nós duas espremidas dentro dele, com o showroom da Holambra à bordo, arbustos saindo pelas janelas e porta-malas aberto, era como dirigir com amostras de toda a mata atlântica ao redor! Foram momentos memoráveis, guardo com carinho as fotos que estou com a noiva do Diego, convencendo as flores a ficarem nos seus lugares, imóveis apesar de flutuando na piscina! E claro, não poderiam faltar momentos de nitroglicerina pura... como quando saí da sua casa, quase na hora da cerimônia, com a impossível tarefa de buscar a roupa do Mark no shopping, ir até a minha casa, me arrumar e voltar a tempo de tentar convencer o Ro que não dava para ele se trancar no quarto no dia do seu casamento! Ao seu lado, Mara, a relação tempo-espaço comprovava a teoria da relatividade de Einstein e estar em dois lugares ao mesmo tempo era perfeitamente viável (e porque não dizer, necessário).
E aí você foi para Newbury... voltou meses depois, dessa vez para a sua mudança definitiva. Empacotar suas coisas, ao mesmo tempo doía e divertia... cada vez que nos dávamos conta de que você estava indo embora, chorávamos... daí a pouco, discutíamos porque não dava pra colocar tudo que você queria no espaço de um container... então parávamos tudo para comer sushi e conversar sobre Jung. Claro que fui eu que te levei ao aeroporto mais uma vez... e mais uma vez “daquele jeito”...
Esse tempo todo que você esteve na Inglaterra, não deixou meu pensamento nem um só instante, era bom falar com você pelo MSN, por e-mail e vez ou outra, por telefone. Nossos planos mirabolantes de viagem pela Irlanda, suas crises existenciais por conta do mestrado, a mudança para Oxford, seu novo consultório em Londres, seu programa de rádio com interpretações de sonhos... os piripaques do Mark... os seus piripaques... os meus piripaques...
Há mais de dois anos, nos vimos pela última vez, quando você veio ao Brasil... te encontrei as 4 da tarde, fomos passear por Moema, em todos os nossos “redutos de garimpagem”, a parada estratégica no Koi da Sabiá, agora todo reformado... a fofoca até as duas da manhã... a esticada até a casa da Mariângela... mais fofoca até o dia amanhecer... me despedi de você com saudade... aproveitamos cada segundo e foi pouco! E você me deu a foto de quando foi a Stonehenge... ela mora desde então ao lado do meu computador!
Você me ensinou que ousar é o caminho, eu só não coloquei totalmente em prática até hoje... e Mara, você salvou minha vida quando me fez ver meus monstros de frente... deixei várias tormentas para trás quando entendi a importância de ser sobrevivente, de que o herói precisa passar por todas as provações para construir seu próprio caráter e valores e que é justamente essa persistência que o faz melhor e flexível, que o torna preparado para tudo e a não ver os tropeços da vida como sabotagens cósmicas de cunho pessoal, apenas mais um desafio a ser vencido – e que pode ser vencido – pois sobrevivi a coisas piores quando estava bem mais fragilizada!
Conversamos há dois meses, mil planos para sua vinda em março... por que você tem que ser sempre supreendente e imprevisível?
Ontem, depois que soube que jamais a verei novamente, nem serei surpreendida por uma ligação internacional em hora estranha, um vazio imenso quis invadir minha alma mas não conseguiu porque ela estava repleta de lembranças suas.
Minha amiga mais do que querida, te imagino atravessando o caminho entre a casa de pedra de 600 anos e o lago, como um vento forte e perfumado, assustando e surpreendendo os passantes desavisados, vejo a Blue Lady sentada te ouvindo, maravilhada, vejo a boa nova se espalhando no outro mundo e imagino o que eles pensam: “Acabou o sossego, a revolucionária chegou!”... sua alma, mais livre do que nunca nesse universo paralelo...
Mara, era lua cheia, e só poderia ser... nunca me esquecerei de você!